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MORDIDELA

JOSÉ CARLOS MADEIRA

MORDIDELA

JOSÉ CARLOS MADEIRA

O “ERRO DE DESCARTES” EM CAVACO


O Principe

26.04.13

 

 

Cavaco Silva passou os últimos 30 anos da sua vida, rodeado por políticos e outros aprendizes da arte. A sua notoriedade e reconhecimento público advêm dos cargos e posições políticas mais do que como docente de mérito, funcionário zeloso do estado ou pela sua passagem pelo Banco de Portugal, que grande parte dos portugueses desconhece!

 

Viveu no meio politico, atuou, criticou – recordo o seu artigo sobre “a boa e a má moeda” visando Santana Lopes - opinou, demandou, escutou pouco e deu mais importância á opinião transviada e engordurada de vassalos! Quando chegou á presidência do PSD vigorava o “bloco central” governamental e deu logo aperceber a sua falta de tolerância e paciência á opinião contrária, á critica interna fechando as portas aos opositores e cultivando o culto do chefe, do impoluto! O momento histórico era favorável á sua postura, com as bases do seu partido saturadas de lutas internas e de poderes divididos. O país que preparava-se para integrar oficialmente a União Europeia e receber grandes apoios também se esgotava de cansaço após um período revolucionário, de duas intervenções do FMI e da instabilidade do especto politico. Concluindo, o seu perfil de competência, de rigor, sobriedade era talhado ao sucesso naquele tempo! Contudo, a sua arrogância e sobranceria com os seus opositores sempre esteve presente em vários momentos, raramente protagonizados directamente por si mas normalmente pela voz dos seus súbditos principais que formaram grupos e grupelhos batizados com os seus nomes - os Nogueiristas, os Barrosistas, os Loureiristas, os “enfant-terribles” dos Santanistas! Cavaco nunca deu importância á sua existência pois sabia que sobreviviam á custa da fidelidade á subserviência ao líder e não seriam mais que “efluentes” do próprio Cavaquismo! Tinha a noção que após a sua saída se guerreariam pelo poder e contrapoder, dividindo o próprio partido o que só beneficiaria a imagem do “grande líder impoluto” que terminara com o calvário do bloco central e obteve as únicas maiorias absolutas para o PSD sem coligação. Foi o homem que lhe trouxe alguma modernidade e pragmatismo á época. Tudo estaria certo e assim se teria eternizado senão fossemos uma democracia de paixões, ódios, amores e desamores própria dos latinos. 

O seu regresso á politica – se alguma vez esteve se ausentou - e a concretização da sua primeira vitória nas presidenciais trouxe a muitos dos seus correligionários adormecidos durante uma década, o regresso do perfume do poder, dos jogos de influência e da notoriedade social, politica e financeira. Começamos novamente a ver surgir na passerelle nomes que já não estávamos habituados a mencionar e a olhar para alguns com aquela suspeita e reticência “…este não é aquele?.. Há muito que não se ouvia falar nele…” Mas, por Portugal muita água passou pelas suas pontes numa década e muitos caíram em suspeitas de envolvimento nos casos mais badalados ou em ligações perigosas.

 

 

Assistimos no dia da vitória das eleições para o segundo mandato presidencial, vimos o que restou de Cavaco após toda a ressaca: um homem só, com alguns cinzentos mais fiéis do que leais que não se conseguiram elevar e se demarcar para além da teia do Cavaquismo! No seu discurso de vitória evidenciou nitidamente o homem revanchista e intolerante perante os seus críticos e opositores, de quem não tem um caracter unificador mas como sempre preocupado em alimentar a sua imagem incorruptível apesar do trajecto de alguns dos seus mais próximos colaboradores, com os casos evidentes de Duarte Lima, Dias Loureiro e Oliveira Costa!

Hoje Cavaco Silva é a sua própria sombra, com uma grande margem dos portugueses que no passado lhe concedeu duas maiorias absolutas a vê-lo como uma figura impopular e debaixo de forte contestação pela sua acção e posições mas sobretudo pela sua gestão pessoal do tempo e modo de intervir nos constantes acontecimentos nacionais. Não percebe que esta não é mais a época em que a maioria o via como um fiel gestor dos fundos que chegavam a uma velocidade vertiginosa da Europa, um fiel funcionário superior do estado que transmitia a todos uma imagem de rigor e sobriedade. Tem uma imagem endeusada de si, das funções e do papel de um presidente, que já são poucas na nossa constituição! Um Presidente que vive acima das querelas e dos comuns e só se manifesta quando ele próprio acha que é o tempo apropriado mesmo que tudo se desmorone vertiginosamente, a sua velocidade é outra! Como Deus que tem para os seus o seu próprio tempo para agir, só compreendido por si e que mesmo não se manifeste os seus crentes sabem que ele lá está omnipresente cuidando deles. Assim, enquanto Presidente, neste atual mandado, Cavaco crê que todos temos a obrigação de entender que quer se mantenha em silêncio ou não, nós acreditamos que está lá por nós e que a sua verdade e a sua ação são de suprema sabedoria e concordância acima das querelas e do momento actual de um povo avassalado por condições de vida austeras e sem futuro!

 

No seu último discurso oficial nas comemorações do 25 de Abril, revelou que continua a ter o seu próprio tempo e modo, indiferente á maioria dos portugueses e por vezes coerente com o que disse e comentou em outras situações recentes. Numa ocasião em que algumas vozes do PSD, mostram sérias preocupações e até desagrado quanto á sua posição perante algumas acções do governo, da sua relação com o líder do PS e em especial com as suas opiniões sobre questões de índole económico e financeiro, nas quais tem de si uma vez mais a imagem de “grande guru”, teve a necessidade inapropriada de sossegar as mentes inquietas da sua família partidária e reverter as criticas num aplauso entusiasta e acabar com o seu sobressalto de alma do seu isolamento politico e presidencial quando se encaminha para o fim de uma carreira em que nunca foi nem teve arte nem engenho para se conseguir manter independente dela. Cavaco chegou tardiamente á conclusão que o “Cavaquismo” já não existe, ele próprio não tem muito interesse para o futuro da maioria dos Portugueses para além do próprio PSD e para a história do partido. Portanto, deliberadamente optou em terminar os seus dias com os seus netos políticos sentado á lareira recordando os tempos áureos!

 

Este discurso de “25 de Abril”, que é o contrassenso da ação de um Presidente da Republica, num momento em que até internacionalmente se apela a um consenso politico alargado e abrangente, para além da periclitante maioria governativa! Hostilizou voluntária e desnecessariamente o maior partido da oposição em vésperas do seu congresso que será durante três dias o evento de maior cobertura e discussão nos media. Cavaco quis desajeitadamente ser ator num momento inconveniente e ainda por cima o protagonista. Colocou em risco a posição que deve preservar como maior magistrado da nação, independente e gerador de unidade nacional e minimamente consensual. O seu discurso foi faccionário, defensor de uma política e de uma estratégia financeira e económica que atualmente é claramente antipopular e minoritária e que tem conduzido ao falhanço de todas as metas que os próprios executores se propuseram! Colado a um consensual mau governo vai alimentar em muitos momentos a revolta, atitudes extremistas de contestação e o discurso radical e haverá barricadas inultrapassáveis de ambos os lados!

 

Um líder de oposição que fizesse um discurso com tais consequências num momento solene e de relevante significado politico ouviria um ralhete no recato do seu gabinete de que não tinha sido apropriado para o bem dos mercados e da estabilidade politica que os mesmos exigem.

Cavaco viveu sempre rodeado de políticos mas nunca conseguiu a destreza de pensar como um notável deles ou ser-lhe intelectualmente reconhecido um pensamento político. É demasiado linear como todos os tecnocratas que resumem tudo a uma mera equação. E como não se suporia teoricamente: existindo, vivendo e alimentando-se do meio não conseguiu ter e evidenciar um pensamento político na ascensão positiva da palavra. 

 

Cavaco nunca foi homem de consensos, a história e o momento político dos anos oitenta estiveram do seu lado na ocasião mas não entendeu que esses foram outros tempos e tudo e desvanece e se transforma e não é capaz de pensar para além do seu passado. Estamos no início da segunda década do SEC. XXI e não mais nas últimas décadas do século anterior.

 

 

José Carlos Madeira

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