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MORDIDELA

JOSÉ CARLOS MADEIRA

MORDIDELA

JOSÉ CARLOS MADEIRA

Modernidade


O Principe

16.09.09

O ESTADO COMATOSO INDUZIDO DA NAÇÃO

 

No actual momento que vivemos em Portugal de plena campanha eleitoral em que se discute tudo o que é acessório , que todos os factos de diversão e de dispersão do essencial são mais importantes, dorme serenamente a consciência colectiva. Se algum diagnóstico há a fazer sobre o estado da nação, será de coma induzido por uma classe politica que pouco diverge do fim do século XIX e princípios do XX. Disputam-se lugares, pessoas, marcam-se posições nos mais diversos sectores da sociedade e da precária economia, acenam-nos com sentimentos de patriotismo, promessas de modernidade e outros tiques que numa dormência colectiva aceitamos como destino sem possibilidade de o contrariarmos.

 

Alguns dos casos famosos que actualmente se discute demonstram como esta Nação é gerida não só pelos políticos mas também por todos como um triste fado. Este é o Estado que permite que o Caso Maria Pia se arraste pelo menos desde 2003, tendo os primeiros desenvolvimentos e denúncias surgido em Setembro de 2002, com a queixa na policia judiciária da mãe de "Joel", um jovem aluno da Casa Pia, por este ter sido alegadamente abusado por um funcionário da instituição com apelido de boneco de peluche com guizo - "Bibi". Há mais de seis anos que o nosso sistema judicial e consequentemente esta Nação permite que o processo se arraste nos tribunais sem uma condenação, com pesados danos para as vitimas e penso eu para os arguidos que poderão ser inocentes que demoram a terem a sua condenação prévia na praça publica de alguma forma reparada. No entanto deve interessar a alguém esta morosidade, senão não haveria tantos incidentes, recursos e outros artefactos jurídicos. Alguém inocente e envolvido num caso desta dimensão social e de tão grande gravidade não pararia de clamar na praça publica não só pela sua inocência mas essencialmente pela morosidade do processo que lhe feriu de morte a sua imagem publica e o seu bom nome. Mas tenho-me apercebido mais de declarações protestando em relação a pormenores e factos processuais, do que do tempo e das suas consequências. Esta é a mesma nação que tem em mãos um caso denominado de Freeport, tendo por base o eventual tráfico de influências, lançando suspeitas graves sobre políticos e gestores públicos de relevo e que se arrasta ao longo de uma legislatura completa, ressuscitando em momentos duvidosos e hibernando em outros quem sabe previdentemente. Muitos outros casos poderíamos aqui relatar, como por exemplo o Apito Dourado vs Apito Final, também versando sobre trafico de influência mas desta vez entre agentes desportivos no futebol, e que como esta semana todos verificamos afinal não está encerrado e segundo algumas opiniões alguns condenados poderão deixar de o ser perante a justiça desportiva o que envolverá um volte-face e um turbilhão de acontecimentos que muito terá este povo para comentar em tom "telenovelesco" enquanto saboreia a bica numa esplanada. Um sistema jurídico evoluído eficaz e a salvaguarda da protecção dos mais fracos é uma das características essenciais de um estado moderno e da dita modernidade.

 

De alguns factos todos temos certezas, o principal é que estes casos existem mesmo e continuam vivos e sobrevivem sem desfecho e conclusão devido ao estado comatoso da nação, seguindo-se o facto que ninguém nega a existência das vitimas no "Caso Maria Pia" só não sabemos quem foram os agressores e qual o castigo que lhes será aplicado. Que se passou algo de estranho com o licenciamento do Freeport poucas dúvidas também temos pois se assim não fosse, a policia inglesa não andaria a investigar com elementos tão concretos, não existiria um DVD com um conteúdo comprometedor, gravações e documentos e o nosso procurador-geral não estaria cheio dele até "ás pontas do cabelo" como o próprio surpreendentemente referiu, só não sabemos quem foram de facto os prevaricadores e qual será a sua pena e as consequências na sua vida publica, empresarial e politica. Que se passou algo para além dos noventa minutos habituais dos jogos de futebol todos temos suspeitas mas temos a certeza que houve condenações, agora continuamos sem perceber se elas foram as mais justas e se servem para toda a extensão da justiça inclusive a desportiva!

Começo a crer que existe um laxismo oportunista no inconsciente nacional que leva a cada um a dormitar enquanto a caravana passa ( eleitoral repleta de políticos, cromos e personagens pitorescas ) - não vá que amanhã alguém também seja apanhado em algum precalço e aí será também desejável que a justiça seja convenientemente lenta como foi para os outros.

 

Um dia de visita ao Alentejo em plena campanha eleitoral dizia-me um bom ancião naquele tom característico daquela fantástica gente, á passagem de uma caravana ruidosa : deixem-os passar que vão carregados de pressa têm estado este tempo todo dormitandodo! - Vão cheios de pressa para onde? - perguntei jocoso. " - Então?! Para o mesmo sitio para continuarem dormitando! " Rimo-nos todos os que estávamos presentes ali junto á estrada para os ver passar e voltamos as costas sossegadamente á caravana e lá fomos continuar a saborear o copito da tasca do Vitório. A sapiência do velho João Cautelão!

Uma mordidela final: um amigo bem posicionado em Nova York segredou-me que assistiu ao julgamento de Madoff e quando o juiz lhe perguntou após a leitura da sentença se tinha algo no final a declarar, então agastado disse que lamentava que o seu processo não ter sido em Portugal, e que daqui a cento e cinquenta anos quando sair da prisão vai abrir um escritório em Lisboa - o meu amigo estava a brincar comigo! Ou talvez não, é que daqui a cento e cinquenta anos se continuarem "dormitando" os políticos serão os mesmos que eram no tal sec. XIX. Falem-nos de modernidade que nós nos vamos rindo. Modernidade também é justiça! Como diz o velho ancião e avisado Medina Carreira sobre o momento actual "isto faz lembrar o Estado Novo". Eu acrescento - o Estado Novo fazia lembrar outros tempos e outros se lembrarão destes que estamos a viver, se ninguém tirar este país deste estado comatoso induzido por esta classe politica!

 

Aos mais distraídos aconselho a pesquisa e a leitura sobre os primórdios da ferrovia em Portugal, as lutas e interesses em relação à sua implementação, construção e desenvolvimento e verão algumas semelhanças apesar da diferença dos séculos. Naquela ocasião também se falou em modernidade ( facto indesmentível ) mas o povo continuou com a maior taxa de alfabetismo da Europa Ocidental, com um sistema politico de gestão do País retrógrado, quase entregue a regedores e outras figuras de folhetim, em que a população não tinha acesso condigno a cuidados de saúde, um sistema de ensino básico e pouco evoluído, uma sociedade generalizadamente desprotegida perante o poder, como uma industria quase inexistente, na sua maioria pertencente a privilegiados estrangeiros como os ingleses nos lanifícios, uma maioria a viver abaixo do limiar da pobreza. Se a discussão se mantiver no comboio de alta velocidade para o caminho da modernidade, estaremos sentados e tranquilos a ver os comboios vazios a passar, "sossegaditos" à espera da próxima caravana. Já alguém ouviu falar em estudos que nos asseguram a existência de taxas mínimas de ocupação e utilização do dito TGV que o tornem viável.  "Então, como agora...." Venha a modernidade para as escolas, para os hospitais, para novas empresas, para a mentalidade dos políticos, para um novo empreendedorismo, para a qualidade de vida dos portugueses, para a cultura e também para a justiça!

 

16 de Setembro de 2009

José Carlos Madeira

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